Quantas vezes nos últimos 15 anos escutamos que existe uma “crise” no setor do leite no Brasil? Lendo as declarações das várias instituições e políticos nos jornais parece que temos uma crise cada ano pelo menos! Aparentemente estamos operando nossos negócios num ambiente de crise quase permanente, e ao mesmo tempo, é difícil lembrar comentários dizendo que leite é um negócio bom com ventos favoráveis, uma opção boa para investimento.
As razões das “crises” geralmente são situações apontadas pela indústria para apertar a margem do produtor, exclusivamente pensando em comprar com melhores preços para conseguirem mais margem nos produtos por eles industrializados. Raramente citam fatores de melhoria nos custos de produção da cadeia do leite. O Brasil tem uma clima abençoado comparado com a maioria de países no mundo pois não está congelado no inverno e geralmente tem muita chuva. Será que realmente tivemos crises na cadeia de leite nos últimos duas décadas?
O crescimento de leite no Brasil durante os últimos 15 anos é um dos maiores no mundo e conseguimos dobrar a produção nesse período. Mesmo comparando com exportadores tradicionais como Nova Zelândia e Austrália, enquanto aumentamos a produção em 104% no período, a Nova Zelândia somente conseguiu crescer 67% e Austrália decresceu 16%.
Além disso, temos um preço de leite ao produtor muito bom no Brasil, tão bom na verdade que muitos produtores no mundo queriam receber o que recebemos aqui. Analisando o período desde 2008 quando das restrições de importações de leite em pó vindo da Argentina foram aplicados, o nosso preço é bem melhor que todos os países que exportam leite. Em termos reais e ajustando pela quantidade de proteína e gordura no leite, o preço médio no Brasil entre 2008 e 2014 foi US$6,68/kg de sólidos de leite (gordura e proteína). No Chile, Uruguai e Nova Zelândia, no mesmo período, o preço foi somente entre US$5,43 e US$5,54/kg sólidos ou seja 18% menos que no Brasil! Los hermanos na Argentina realmente tem algo a reclamar pois o preço ao produtor lá foi somente US$4,79/kg de sólidos, 28% menos que o Brasil e até produtores nos EUA somente receberam US$5,98/kg, 10% menos que o Brasil.
Então minha pergunta é “Se estamos crescendo tanto, e se temos preços de leite tão bons, realmente existe uma crise no setor?” Claro que não! Mas o assunto de “crise” nunca desaparece nesses anos, e gostaria de sugerir que o verdadeiro problema que temos é o resultado de fatores além que condições do mercado, problemas geralmente sob o controle do produtor. A verdadeira “crise” é “baixa produtividade”.
A baixa produtividade se reflete nos custos operacionais e parece que esses altos custos são os motivos da “crise” quando os preços de leite caem um pouco, naturalmente seguindo as estações e/ou o mercado internacional. Como Warren Buffet dizia “somente quando a maré baixar, você descobre quem está nadando sem roupa”, e no caso do leite somente quando os preços caem, você descobre quem tem uma estrutura de custos não sustentável.
O custo de mão de obra tem subido muito em termos reais e com o avanço da economia brasileira provavelmente vai subir mais. O número de litros necessário para “comprar” um salário mínimo quase triplicou nos últimos anos, e agora é o problema principal da cadeia, pois a produtividade dos sistemas de produção não acompanhou o aumento em custo de mão de obra. Quero ser claro que isso não uma crítica aos fazendeiros e funcionários que acordam cedo cada dia para ordenhar as vacas, más é o resultado de escolhas de como operar uma fazenda, do nível de mecanização e a escala da operação.
Uma comparação entre Nova Zelândia e Goiás usando o estudo de SENAR de 2009 mostrou que um funcionário numa fazenda na Nova Zelândia ganha oito vezes mais que um funcionário no Brasil, mas produz vinte e duas vezes mais leite por ano! Enquanto se precisa de algo como 35.000 fazendas no Brasil para produzir 1 bilhão de litros, somente se precisa de 517 fazendas na Nova Zelândia ou 570 fazendas nos EUA.
Eu acho que esse é o problema verdadeiro do setor, pois com a falta de mecanização e a pequena escala, o custo de baixa produtividade, os custos de logística de leite cru e o custo de gerenciamento da cadeia são enormes comparado com outras nações exportadoras, sem mencionar os problemas de qualidade e a fraude que estamos observando na cadeia principalmente devido a complexidade da cadeia. Como podemos ser um exportador de leite concorrendo com outras nações e toda a produtividade que eles têm sem um grande avanço nesses assuntos?
Acho que existem escolhas do nível político. Podemos continuar com as políticas atuais, com programas assistenciais principalmente para pequenos produtores, limitando importações de leite em pó da Argentina para forçar o preço de leite doméstico ficar acima do preço internacional, mas com produtores de leite fazendo pouco ou zero lucro devido à falta de produtividade.
Ou devemos pensar em políticas que incentivem aqueles produtores que queiram crescer a desenvolver fazendas com especialização, mecanização, qualidade, e uma escala mínima para ser competitivo mundialmente. E devemos incentivar modelos de produção que produzam dez vezes mais leite por funcionário que a média de hoje.
Uma coisa parece certa, eventualmente o mercado vai forçar uma mudança, se quisermos ou não. |