Escassez eleva o preço da carne
Com o volume de abates estagnado nos últimos anos, o Rio Grande do Sul precisa buscar o alimento em outras regiões do país

No Estado onde a origem da economia remonta à criação de gado e que chegou a abrigar o segundo maior rebanho do país, há quatro décadas, a atual oferta de animais é insuficiente para suprir o voraz apetite gaúcho por carne. Com rebanho e volume de abates estagnados nos últimos anos, o Rio Grande do Sul precisa buscar carne em outras regiões para atender ao consumo. O aumento da capacidade de compra da população tornou mais indigesto o preço do produto nobre, obtido das raças britânicas tradicionalmente criadas no Estado. Mesmo que a carne vinda de outras regiões do Brasil seja mais em conta na comparação com a gaúcha, o preço sobe em todo o país. O produto foi um dos vilões da inflação no Brasil nos últimos 12 meses, com alta de 19,58%. O índice acompanhou a cotação do boi gordo, que subiu 19% em um ano, conforme o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-USP). O percentual é três vezes superior à inflação média no período. Parte da alta é atribuída ao aumento das exportações, especialmente para China e Rússia. O mercado russo suspendeu neste ano as compras dos Estados Unidos e da União Europeia e aumentou os negócios com o Brasil. De janeiro a setembro, as vendas externas de carne bovina cresceram 7%, na comparação com o mesmo período de 2013. No Rio Grande do Sul, produtor de carne de maior qualidade, a escassez de matéria-prima é apontada como uma das razões do fechamento de frigoríficos nos últimos anos. Conforme o Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados (Sicadergs), pelo menos 10 plantas deixaram de funcionar na última década. Mais recentemente, a ameaça de interrupção dos abates em um dos maiores frigoríficos de carne bovina do Estado, com 680 funcionários, reacendeu a luz amarela em torno da pecuária gaúcha. Após apelo do governo e de representantes do setor, a Marfrig em Alegrete ganhou sobrevida com a postergação do fechamento das portas.
— A indústria gaúcha trabalha com uma ociosidade de 30%. A escassez de oferta acaba refletindo em preço maior para o consumidor — aponta Ronei Lauxen, presidente do Sicadergs.
Além dos 2 milhões de abates por ano para atender à procura, a indústria precisa trazer de fora do Rio Grande do Sul um volume de carne com osso que equivaleria a mais 270 mil animais. A escassez, conforme Lauxen, também é acentuada pela saída de gado em pé para outros Estados.
Com oferta de 400 mil cabeças por ano, pecuaristas de 12 municípios da Fronteira Oeste contestam o argumento de que faltam animais para indústrias na região.
— Colocar a culpa de falta de oferta num mercado já instalado não é justo. A oferta não diminuiu, ela se mantém a mesma nos últimos anos — contrapõe Pedro Piffero, presidente do Sindicato Rural de Alegrete, que reúne 3 mil produtores de gado.
Criado a pasto gaúcho e terminado com confinamento em São Paulo


A saída de gado em pé do Rio Grande do Sul para acabamento em São Paulo ou para exportação representou 3% do total ofertado pela pecuária gaúcha em 2013. Das 60 mil cabeças abatidas fora do Estado, 13 mil foram para o mercado externo e boa parte para o confinamento da JBS, em Guaiçara (SP). Na cidade paulista, a gigante mundial do segmento de carne produz a linha premium Swift Black. Em Guaiçara, os animais permanecem confinados cerca de 120 dias para ganhar acabamento final de gordura. São terminadas lá 33 mil cabeças por ano — 100% das quais buscadas no Rio Grande do Sul.

Em 2011, o produtor Cristiano Freitas, de São Borja, foi atraído com a proposta de fornecer animais de sangue britânico para serem confinados e abatidos no frigorífico da JBS, em Lins (SP). O preço oferecido pelo gado semiacabado era o mesmo do boi gordo — apesar de faltar uns 150 quilos para terminação:
— É vantagem. Consigo liberar o campo no período que preciso para o cultivo da soja. Sem contar que é mais uma opção de mercado.
Hoje, o pecuarista são-borjense tem contrato com a JBS para arrebanhar e fornecer pelo menos 15 mil cabeças por ano. Como intermediário, busca animais em outras propriedades da Fronteira Oeste. Dono das fazendas São Manoel e Sina-Sina, em Alegrete, Paulo César Fleck passou a vender gado para a JBS há dois anos. Desde então, relata ter aumentado em 25% a receita obtida com a pecuária. Com 3,8 mil cabeças das raças hereford, braford e brangus, Fleck fornece 1,2 mil animais por ano para o confinamento em São Paulo. O restante fica no mercado interno.
— Aumentei a rotatividade do gado no campo. Consigo liberar pastagem para outro lote em menor tempo, resultando em mais ganho por área — explica.